quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A moda da Renascença Italiana narrada em romances de época!



Eu estou numa fase totalmente renascentista há meses, e tenho lido muitos romances históricos desse período, e uma das coisas que mais tenho amado nesses livros é a riquesa de detalhes da moda da época, algo extremamente importante na cultura italiana no século XV.

A moda através dos afrescos de Ghirlandaio na Capela Tornabuoni em Florença

Arte e moda sempre andaram juntas, e não poderia ser diferente num dos periodos mais fervilhantes da historia da arte, o renascimento florentino, aonde podemos ver os penteados elaborados nos quadros de Botticelli, os lindos trajes femininos e masculinos nos afrescos de Ghirlandaio, e a beleza eternizada da mulher italiana de Leonardo da Vinci. E como os livros que tenho lido são ambientados no luxuoso mundo da Florença do Quattrocento (como é chamado esse periodo pelos críticos de arte), dá pra se sentir um pouco como se eu estivesse vivenciando um pouquinho desse clima fantástico, além de visualizar perfeitamente todo o luxo dos tecidos usados pelas damas da época.

Mas para poder entender bem sobre do que eu vou falar, é sempre bom saber quais eram as peças mais importantes do guarda-roupa de uma dama italiana do seculo XV, certo? Então boralá!



Da esquerda para a direita:
camícia, gamurra
giornea solta
e giornia com cinto
Camícia – Era uma camisola, que se usava por baixo do vestido principal (a gamurra), e que era puxada através de fendas nas mangas para dar aquele aspecto de manga fofa.
Elas podiam ser simples, ou ricamente trabalhadas e bordadas em tecidos nobres.

Gamurra – Era o vestido principal, que tinha o corpete ajustado com cintura bem marcada (normalmente alta) e saia evasée usado sobre a camícia. Poderia ser usado com ou sem a giornea. As mangas podiam ser de outro tecido, eram separadas e cortadas em vários pedaços para que a camicia pudesse ser puxada e dar o aspecto fofinhos das mangas renascentistas.

Giornea – Era uma sobreveste, parecida com uma capa, que se usava por cima da gamurra, que podia ser usada solta ou presa só na frente, assim como toda presa, com um cinto. Era muito comum ser feita em brocado com padrões com os simbolos da familia.

Na cabeça – As moças solteiras usavam os cabelos soltos, caindo sobre os ombros, podendo usar redes, gorros, toucas, balzos (uma espécia de boina fofa) ou véus junto com elaborados penteados. As mulheres casadas usavam os cabelos em penteados igualmente elaborados, mas nunca caindo sobre os ombros.

Da esquerda para a direita: touca, gorro, balzo, rede e véu

Bem, agora que você já está familiarizado com as peças mais importantes do guarda roupa da dama italiana do Quattrocento, vamos aos livros:

Senhora da Vinci – Robin Maxwell


Em “Senhora da Vinci”, acompanhamos a história de Caterina, mãe de Leonardo da Vinci, que se veste de homem para sobreviver sozinha em Florença podendo assim acompanhar a vida do filho, o prodigioso pupilo de Andrea Verocchio, estando assim, diretamente envolvida com os mais ilustres nomes de Florença e da Academia Platônica, como Lorenzo de Medici, Picco della Mirandola, Angelo Poliziano, Antonio dell Pollaioulo e Marsílio Ficino.


Ao desenrolar da trama, Robin Maxwell faz belas narrativas de trajes de grandes nomes femininos do renascimento, como Lucrezia Donati, Clarice Orsini, Beatrice d’Este e Bianca Maria Sforza (as duas ultimas da corte milanesa, não florentina). Mas é um verdadeiro deleite ver a descrição do traje do quadro mais famoso do mundo: Mona Lisa!


“Era mais que estranho caminhar pelos corredores do palácio ducal usando um vestido de um verde oliva intenso, com o corpete de decote baixo e arredondado, finamente plissado e enfeitado com fita dourada. Suas mangas divididas eram macias e da cor da fulva de uma corça, e eu encontrara uma capa de um verde oliva mais claro que joguei por sobre os ombros.”


Quer descrição mais perfeita para o vestido da Mona Lisa? * . *



Eu, Mona Lisa – Jeanne Kalogridis




Ainda no clima “Da Vinciano”, temos “Eu, Mona Lisa”, que conta a história da jovem Lisa de Gherardini durante a conflituosa década de 1490 em Florença, e como a história politica da cidade influenciou diretamente seu destino.


No livro, Lisa é a filha de um Antônio de Gherardini devoto de Savonarola, que vê com maus olhos todo o luxo e ostentação da sociedade florentina e que condena inclusive as artes profanas do período. Mas a mãe de Lisa era proxima da familia Medici na sua juventude, e pede ao marido que use os favores de Lorenzo de Medici para escolher o marido de Lisa quando chegasse o momento. Lisa então entra num mundo de luxo e arte, conhece Botticelli, Michelangelo, e é claro Leonardo da Vinci, por quem se encanta logo de cara. Mas entrega seu coração ao jovem filho de Lorenzo, Giuliano de Medici.


O vestido que ela usa durante a recepção em que conhece todos esses grandes nomes da historia é descrito magistralmente por Jeanne!



“O vestido, habilmente ajustado para insinuar as formas de uma mulher onde não havia nenhuma, era muito mais imponente do que qualquer coisa que eu já usara. As saias cheias, com uma cauda curta, eram feitas de veludo verde-azulado profundo com seu padrão de folhas de videira de cetim. O corpete era do mesmo veludo com inserções de damasco verde-claro. Na cintura alta, havia um cinto de prata delicadamente trabalhado. As mangas eram talhadas e ajustadas feita de um brocado entrelaçado com fios azul-turquesa, verdes e roxos entrelaçados com fios de prata pura. Zalumma puxou minha camícia através dos talhos e deixou-a bufante. De acordo com a moda da época. Eu havia escolhido a seda branca fina, matizada de prata. (...) Eu usava uma touca feita do mesmo brocado, orlada com pérolas miúdas, e por ser solteira, meus cabelos podiam cair livremente pelos ombros.”

Igualmente bem descrito é o vestido que Lisa usa em seu casamento com Francesco del Giocondo:


“Francesco mostrou um desenho do que tinha em mente: um vestido de cintura alta com corpete quadrado. As mangas não tinham a costumeira forma de sino: eram estreitas, bem justas, com ênfase na camícia puxada através de várias fendas e ostentosamente bufante. O decote era bastante baixo, exibindo também grande parte da camícia.(...)

Meu vestido era de um azul vivido e brilhante, com um cinto grosso de brocado da mesma cor (...) Francesco me dera um colar de ouro e safira, e um adorno de cabeça tão caro que só de vê-lo eu ficava nervosa: era uma rede de pequenos diamantes entrelaçados no fio de ouro mais puro. Toda vez que eu virava a cabeça, o sol incindia nos diamantes, e pelo canto dos olhos eu via lampejos de uma luz multicor.”

Quem mais conseguiu visualizar completamente os vestidos usados por Lisa nesse livro levante a mão! o/

Li também um outro livro sobre ela chamado “A Vida Secreta de Mona Lisa” do Pierre la Mure, e fiquei bastante surpresa ao ver que muito do que eu li em “Eu, Mona Lisa” se encaixava completamente na biografia dramatizada dela!

O Nascimento de Vênus – Sarah Dunant


Esse livro não conta a história de Mona Lisa, mas de uma jovem florentina também apaixonada por arte e com uma forte ligação com os Medici: Alessandra Cecchi, a filha de um rico comerciante de tecidos.

A trama gira em torno da relação de Alessandra com um jovem e tímido pintor flamengo, contratado para pintar os afrescos da capela da familia Cecchi, por quem ela, que tem uma veia artística muito forte, se fascina. Ela conhece bastante de arte e cita obras de vários artistas da época, como Ghirlandaio, Botticelli, Fra Felippo Lippi e Michelangelo, além de citar Alberti e Cennini, então, mesmo que não tivesse belíssimas descrições dos trajes, já é um prato cheio para quem gosta de historia da arte!


Sobre os trajes, destaco uma descriçao que considero excelente, a do vestido de casamento da irmãs de Alessandra: Plautilla Cecchi.


“O casamento de Plautilla, quando finalmente aconteceu, foi a confirmação dos tecidos de meu pai e da fortuna da família. (...)
Seu vestido está na ultima moda: decote festonado, mostrando sua carne roliça e o tecido flamengo delicado, e austucioso, de meu pai, que já recebeu inumeras encomendas; suas anáguas macias e cheias como a asa de um anjo, de modo que quando ela passa deslizando, ouve-se o material suspirar pelo chão. Mas é o vestido por cima que emociona pela beleza. É feito da melhor seda amarela, a tonalidade do açafrão mais brilhante cultivado especialmente para a tintura nos campos de San Gimignano, e a saia é bordada, não grosseiramente como as que vemos na igreja, que tentam competir com o pano do altar, mas sutilmente, de modo que as flores e os pássaros parecem se entrelaçar do bordado.”

Tem também um outro livro sobre a renascença italiana que vale a pena citar aqui, mas que vou deixar pro próximo artigo (afinal, esse já está bem comprido, né?), que é “A Dama das Amêndoas” da Marina Fiorato. Só não vou coloca-lo aqui agora por estar me extendendo muito no assunto, e ele não ser das décadas de 1480 e 1490 e não se passar em Florença como os 3 supracitados, mas sim da decada de 1520. E acabei de receber pelo correio meu novo livro sobre o renascimento italiano, mas esse um pouco anterior, se passando na decada de 1450, e se chama “Milagres em Prato”. Entao aguardem que em breve tem mais sobre esse periodo fascinante (e um dos meus favoritos) da história da moda e da arte. ;)


Esses livros são um deleite para não só para quem gosta de história da moda, mas também para  quem é artista e apenas gosta de arte, pois descreve com primor o preparo das tintas e materiais de pintura, todo o processo  de preparo do esboço até a obra final. Super valem à pena!

Fica a dica ;)